15/07/2010

Viajo porque preciso, volto porque te amo


Um filme difícil para os espectadores mais acostumados com ritmo rápido e informações já mastigadas dos longas enlatados. A imagem, no filme, além de completar, diz muito mais do que a própria narração do personagem principal.

Bom, para ficar mais fácil, a história é a seguinte: um geólogo viaja pelo interior do nordeste para avaliar as condições dos terrenos onde as águas de um rio serão transpostas.

A primeira vista, o filme é um registro técnico da viagem e um diário audiovisual do personagem. Mas, aos poucos é perceptível o mergulho na alma de José Renato através das narrações e principalmente pela justaposição das imagens.

A viagem é, na verdade, uma fuga da realidade. José Renato foge tanto, que seu rosto não aparece um momento sequer durante o filme todo. E é durante os 75 minutos do longa que percebemos a evolução do seu estado emocional.

No início, a negação. José Renato narra cartas apaixonadas como se amasse a esposa e fosse correspondido. A autenticidade do sentimento e das cartas é questionável, pois a narração é dura, robotizada, enfim, sem emoção verdadeira. Depois de alguns minutos de cartas fictícias embaladas por músicas bregas, o tédio surge. As paisagens, a estrada e os dias ali parecem ser sempre os mesmos. O desprezo pela região em que ele está percorrendo é notável.

E assim imagina-se que ele sinta os mesmos sentimentos em relação a sua atual situação. Cansado da relativa estagnação, José Renato resolve dormir em um hotel - busca conforto e saída da repetição. Mas é durante o sonho que ele encontra a realidade: sua esposa não está apenas separada fisicamente. Ela não corresponde mais o seu amor.

A partir daí o choque é inevitável. Pela primeira vez ele desvia de seu caminho e se mistura em meio a tanta gente desconhecida. Quer fugir, se perder. É a conseqüência de encarar a decepção. Apesar de pertencer a multidão, José Renato continua sozinho e encontra prazer e companhia nos colos das mulheres da vida. A carência escancarada de uma prostituta é o reflexo do homem que a procura.

Depois de várias noites viradas nos bordéis das cidades, José Renato se desprende de seu caminho. E é visível que quanto mais tempo se passa em viagem, mais dos seus sentimentos são mostrados. Temos um geólogo que perfura a terra, mas que na verdade tem sua própria vida perfurada, expondo suas fraquezas e emoções a toda hora. A narração agora é natural, como seus sentimentos. O personagem não finge mais. O cenário é o reflexo do seu próprio interior. Seca, tristeza, solidão. Não é o meio que transforma o homem. Aqui, o meio é reflexo do homem.

O filme caminha para o final. Depois de percorrer uma longa escadaria, José Renato, cansado, alcança uma vista diferente. E lá de cima, ele se mostra finalmente mais preparado. O que ele passou não foi necessariamente inevitável, mas diria que foi importante suficiente para transformar um sentimento reprimido em algo compreensível.
 
E, se pondo de costas para a seca e de frente para o grande rio, é fato que algo foi superado. Numa comparação, alguns homens saltam das pedras até mergulharem nas águas de um rio. Uma redenção ou até mesmo uma compensação para alguém que sofreu tanto com as paisagens tediosas, o clima quase insuportável e os encontros melancólicos de outras noites.

O rio, em constante movimento e renovação, indica o caminho e sugere o próximo sentimento que ele irá se apropriar.
 
 
CRÉDITOS:
VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Brasil, 2009, 75 min. COR, DOlBY digital
Diretores: Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Produção: A Rec Produtores e Daniela Capelato

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