26/07/2010

Regra número 1: o espectador não é burro!

Por onde começar?  "O Nevoeiro"  é um filme americano, feito em 2008 a partir de uma adaptação do livro escrito por Stephen King.

Após uma violenta tempestade, David e Billy (pai e filho) se dirigem a um supermercado em busca de suprimentos. De repente, um nevoeiro encobre a região e de lá surgem criaturas estranhas que causam mortes e tragédias.  Várias pessoas ficam presas nesse supermercado e, buscando a salvação, iniciam um conflito interpessoal.

A história não é tão ruim (adaptada da obra de Stephen King), mas a maneira como o diretor desenvolveu o tema foi, no mínimo, desastrosa. Desde o início, os argumentos que alimentam as discussões - e tentam fazer a história progredir - são fracos e infantis. É clara a investida do diretor em dar destaque para os problemas pessoais, as divergências (religião x razão) e as questões mal resolvidas entre os personagens. Mas o que não fica claro são os diálogos  superficiais e a incrível capacidade dos personagens não nos despertarem simpatia.

Veja bem: temos um pai de família que está isolado num supermercado com seu fliho e longe de sua mulher. No início do filme, é possível ver que ele a ama e tem uma ótima relação de casal. Pois bem. Durante todo o tempo em que os monstros estão à solta pela cidade atacando os mortais, há apenas um único momento de referência à esposa, em que ele diz para seu filho que "aposta que ela está bem" e nunca mais se toca no assunto (salvo o final em que... bom, o final eu falo mais pra frente).

Além disso, em quase todos os momentos de ataque dos monstros, Billy  está longe de seu pai - que insiste em deixá-lo nos  braços de uma idosa e, mais tarde, nos braços de uma mulher loira recém conhecida. E,
mesmo com um pedido de proteção de Billy, o pai o deixa com estranhos para se aventurar na névoa em busca de remédios para outras pessoas.

Só para adiantar (vou discutir o final em um parágrafo especial, mas preciso completar meu argumento) o pai mata o filho com um tiro na testa, para livrá-lo de uma suposta morte mais trágica.

Alguém aí se simpatizou com o nosso herói?

Prosseguindo, vamos aos monstros. Logo de cara, um tentáculo gigante mata um rapaz que insiste em sair do supermercado para desbloquear um gerador que não precisa ser desbloqueado (um personagem o avisa de que não era necessário e David o alerta para os ruídos estranhos que vem de fora). Diante dos fatos, só posso concluir que o rapaz foi estúpido por colocar todos em risco e não merecia o esforço para que o salvassem.

Outras mortes também acontecem nessas condições. O resultado é o surgimento de uma imensa antipatia pelos personagens e, em casos extremos, um prazer e alívio ao acompanhar o extermínio dos mais ignorantes (sim, eles ficam parados, gritando em frente a um monstro ao invés de correr e lutar por suas vidas).

Bom, o filme avança e a decepção também. Num dado momento, nos é informado que os monstros vieram de um "portal" que liga o mundo real a um mundo paralelo. Um soldado diz que houve um descuido numa operação e eles perderam o controle que permitiu a
invasão.

É preciso ressaltar um problema gravíssimo nessa história. Em nenhum momento do filme é mostrado esse portal ou mencionado (de forma séria) qualquer coisa do tipo. Além disso, não é demonstrada qual a proporção do desastre ou "a quantas anda" a solução. Isso tudo enfraquece essa "explicação" e torna o filme ridiculamente fraco em relação a seus argumentos básicos. É a famosa técnica "deus ex machina" (em que uma solução vem de fora), pois se explica um fenômeno anormal (o dispositivo de disparo da história) através de um diálogo sobre um portal que nunca ouvimos falar. Ora, se fosse apenas para contar - e não mostrar - melhor que se mantivesse o livro.

Por fim, o famoso desfecho: depois de pouco lutar, os personagens principais entram num carro e seguem viagem rumo a... nenhum lugar. Isso mesmo, o plano é dirigir até acabar a gasolina e ver no que vai dar. Brilhante! Então, como esperado, a gasolina acaba e, sem ao menos procurar um refúgio ou alguma maneira de escapar daquela situação, eles decidem que querem cometer suicídio. Mas, há um último problema: restam apenas quatro balas no revolver (que a loira carrega em sua bolsa, como se carregasse um batom) para cinco pessoas. E então, eles conversam entre si (o diretor nos priva desta interessante conversa, ao posicionar a câmera bem longe do carro) e ouvem-se quatro tiros. Sobrou David (sim, ele matou o filho) e, ao sair do carro, magicamente a névoa desaparece e surgem tanques de guerra, caminhões de resgate e soldados que estão lutando para salvar o mundo.

Os suicídios foram em vão, mas, sinceramente, quem se importa?

3 comentários:

  1. Boas observações! Uma questão fundamental é exatamente essa de julgar que o espectador é burro. Parabéns pelo conteúdo do blog.

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  2. Uma pena, visto que tem inúmeros bons filmes adaptados de bons livros - ou não - de Stephen King. Eu mesmo tenho alguns aqui e até uns "trashs" eu curto.

    Este eu não conferi, ainda. abs

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  3. Gostei bastante deste filme, tem os seus defeitos como qualquer filme, e nós não concordamos nesses pontos fracos, Sandro você indica precisamente alguns dos que acho serem os pontos fortes do filme: não contar detalhes da origem dos monstros tornado-os mais misteriosos, e um final chocante que é bem diferente do do livro. Ai sentimos o desespero de um homem que vi o seu mundo destruído..sem necessidade! As personagens fazem coisas estúpidas? Pois na vida real também fazem! Mas o cinema, como tudo, é assim: cada pessoa tem a sua opinião, os seus gostos :-) Obrigado pelas visitas ao blog ;-)

    http://cine31.blogspot.com/

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